Era uma sexta-feira como outra qualquer. O ecoar do despertador das 7h30 fazia-se ouvir aos poucos metros quadrados de um teto empilhado sobre diversos mundos. O sol fazia-se visível na imensidão do contexto urbano que se perde por entre estruturas verticais, asfaltos ainda dormentes, águas calmas em uma barra tênue de coqueiros; as ondas viam-se ao longe, numa maré que deveria estar por deveras fria e calorosa, simultaneamente.
Como de rotina, agradeci por mais uma vez poder tocar meus pés naquela cerâmica fria da brisa que penetrava por entre os ambientes. Levantei e o corriqueiro fez-se presente, como em todos os outros dias. Afinal, era uma sexta-feira como outra qualquer. O banho morno escorria pela pele e despertava-me para o dia. Arrumei-me e pus a me organizar para os estudos. No café, a rotina pôs-me de frente à TV que anunciava as manchetes, tal qual uma sexta-feira como outra qualquer. Notícias policiais, entradas ao vivo dos repórteres, imagens aéreas e tudo de comum em mais uma edição do jornal matinal. Contudo, deleitando do meu café da manhã, uma matéria especial passa diante de meus olhos. Nela, o diálogo (que eu não só ouvia, mas podia enxergar) fez-me repensar muitos atos diante dessa vida e pôr em tona um fato marcante na infância. A reportagem denunciava o corte de verba da merenda em escolas no interior e na capital do Maranhão, mostrando a indignação de administradores escolares e alunos do ensino infantil com a situação. Diante do microfone, a pergunta seca da repórter a uma criança de apenas 5 anos me fez comer diante de lágrimas que, espontaneamente, desciam do meu rosto e escorriam pelos dedos seguros a um pedaço de pão: - Não tem merenda não -, diz a criança. - Não come nada? E como faz? -, indaga a repórter. - Fica com fome. A garota simplesmente sorria no momento em que, de sua boca vazia de comida, mas cheia de humanidade, respondia ao questionamento da repórter. A minha, secava de dor, amargura e tristeza. Levantei da mesa e pus-me a pensar num dia, outro como dias quaisquer, em que antes de ir à escola, lá na 4ª série, reclamei que "só" havia biscoito cream cracker e um copo de suco para o café da manhã, porque ainda não tinha sido feito o supermercado do mês. Meu pai, na fúria que lhe tomava em épocas passadas, não insistiu diante de um dia, como outro qualquer, em que fazia-se necessária a educação de seu único filho. Pegou-me pelas mãos e fizemos o mesmo caminho da escola, sempre a pé. Contudo, mal sabia eu que o mesmo caminho que me levava ao mundo da educação, na riqueza arquitetônica de um típico centro histórico urbano, e que às 9h30 poderia ter o prazer de um lanche, eu também poderia encontrar pessoas que dividiam espaços com os carros, com a poeira, com o lixo que despejamos na porta de nossas casas, com o papelão que não me serve para nada, com os fiapos daquele pano velho que fiz questão de jogar fora, com a pobreza histórica... Meu pai me mostrou que, enquanto eu reclamava de ter cream cracker e suco para comer naquela manhã, havia pessoas que só queriam a migalha daquele biscoito que eu poderia estar mastigando, mas que no entanto eu fiz questão de reclamar. Foi uma lição inesquecível para minha vida. Aquele episódio de uma manhã que se fazia não mais como uma outra qualquer na 4ª série foi recapitulado em questão de minutos enquanto a matéria do jornal matinal adentrava pelos meus olhos, pelos meus ouvidos e chegavam aos meus sentimentos. Escovei os dentes em banhos de lágrimas, imbuído de um misto do que se poderia estar passando com aquela garotinha e com a rudeza de um episódio que me serviu como caráter humano. A tristeza da situação contrastava completamente com o sorriso desalinhado daquela pequenina criatura de 4 anos que anunciava a única posse que te alimentava naquele dia: a inocência de suas próprias palavras. Com certeza, aquela não foi uma sexta-feira como outra qualquer. E nem os dias seguintes a ela...
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BioGraduando de Arquitetura e Urbanismo, amante da música e de séries e filmes. Séries em andamento sempre que a arquitetura deixa. Ama os amigos como família e a família como anjos divinos encarregados de nos transbordar amor. Os melhores momentos da vida foram, são e sempre serão ao lado daqueles que te dão o conforto nos (a)braços do amor.
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Dizem por aí que tenho o dom de encantar com as palavras. Verdades ou boatos, continuo escrevendo como forma de levar às pessoas o que sinto, o que passo e o que penso. As conexões entre aquelas, por assim dizer, faz-se de grande importância para que o objetivo final das palavras soadas (ou escritas) seja alcançado. Ou seja, de que se transponha a força do pensamento e a pureza do coração.
Bem vindxs ao Indeed, onde o de fato figura-se entre as mais singelas incertezas. @vinirodriguesarq
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